Re–emergência do Sorotipo 2 do Vírus da Dengue no Brasil é um dos Responsáveis pelo Aumento de 600% dos Casos da Doença no País

17 de dezembro de 2019

No último seminário científico do ano, a pesquisadora do Laboratório de Virologia (LIM 52) Camila Romano explicou que o sorotipo 2 se alastrou pelo país após a população desenvolver resistência para o sorotipo 1

Pesquisadora do Laboratório de Virologia (LIM 52) Camila Romano. Créditos: Laboratórios de Investigação Médica (LIMs)

O Brasil registrou 1.439.471 casos de dengue entre janeiro e setembro 2019, um aumento de cerca de 600% ante o mesmo período do ano anterior. O estado com o maior número de notificações foi Minas Gerais (2.239,3 casos por 100 mil habitantes), seguido por Goiás (1.561,6 casos por 100 mil habitantes), Espírito Santo (1.493,3 casos por 100 mil habitantes), Mato Grosso do Sul (1.466,1 casos por 100 mil habitantes) e Distrito Federal (1.194,4 casos por 100 mil habitantes). Em compensação, o estado com a maior elevação no número de notificações foi São Paulo (3.712%). Em seguida, Paraná (3563,6%), Sergipe (2908,3%), Distrito Federal (2113,8%) e Minas Gerais (1923%). O Brasil também totalizou mais de 500 mortes confirmadas por dengue entre janeiro e setembro 2019, um crescimento de em torno de 400% na mesma base de comparação. O estado com o maior número de óbitos foi São Paulo (217), seguido por Minas Gerais (135), Goiás (46), Distrito Federal (41) e Espírito Santo (26). Os dados são do Boletim Epidemiológico, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.

A dengue é causada pelo arbovírus [vírus transmitidos por artrópodes] do gênero Flavivirus e transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. O Flavivirus causador da dengue apresenta quatro sorotipos [grupo de microrganismos com um antígeno em comum], os sorotipos 1, 2, 3 e 4. De acordo com a pesquisadora do Laboratório de Virologia (LIM 52) Camila Romano, o aumento expressivo do número de casos de dengue em 2019 no Brasil decorre da re–emergência do sorotipo 2 no país. “A circulação do sorotipo 1 predominava no Brasil até a entrada do sorotipo 2 na maioria dos Estados, principalmente em São Paulo. A parcela da população que entrou em contato com o sorotipo 1 não era mais susceptível à dengue do tipo 1. Então o sorotipo 1 começou a circular cada vez menos, ocasionando a diminuição do número de casos diagnosticados”, afirmou Romano. “Com a re–emergência do sorotipo 2 no país, as pessoas começaram a contrair dengue de novo. A chamada substituição de clado acontece no mundo todo. Depois que um sorotipo circula em uma população, ele acaba sendo substituído por outro sorotipo por questões epidemiológicas. Não há mais pessoas susceptíveis ao sorotipo anterior em número suficiente para manter a circulação dele.”

Em 11 de dezembro,  os Laboratórios de Investigação Médica (LIMs) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) realizaram o último seminário científico do ano, Arbovírus no Brasil: Ontem, Hoje e Amanhã? Segundo Romano, provavelmente o primeiro relato de dengue ocorreu no Brasil em 1920. “Em comparação com o herpesvírus que apareceu com os seres humanos, o vírus da dengue é um vírus bebê que entrou na nossa população anteontem. Assim como o HIV [vírus da imunodeficiência humana, que causa AIDS], o vírus da dengue causou um grande estrago em muito pouco tempo”, destacou Romano. “A importância dos quatro sorotipos é que a proteção imunológica para um sorotipo é eterna, mas não previne os outros sorotipos. Se uma pessoa contrair dengue do tipo 1, ela ainda pode pegar dengue do tipo 2, 3 ou 4.”

“Se uma pessoa contrair dengue do tipo 1, ela desenvolverá anticorpos para o sorotipo 1. Se ela pegar dengue do tipo 2 em seguida, os anticorpos para o sorotipo 1 não neutralizarão o sorotipo 2. Pelo contrário, eles facilitarão a fagocitose [processo pelo qual uma célula engloba outras partículas] do complexo antígeno–anticorpo pelas células de defesa do organismo. O vírus se soltará do anticorpo e se replicará no interior dos macrófagos. Então há uma ajuda para o que o vírus entre nas células mesmo que não haja receptor para ele, o que provoca uma viremia muito grande”, explicou a pesquisadora do LIM 52. “Por isso se acredita que a dengue secundária é mais grave que a dengue primária. Não é uma regra, mas entre 70% e 80% dos casos mais graves são secundários. Esse é o principal problema da dengue. Os quatro sorotipos não são tão parecidos a ponto de serem neutralizados por um anticorpo comum.”

Entre outros fatores que favorecem a transmissão da dengue estão o aquecimento global, o desmatamento florestal, a pobreza e a urbanização e a rede área comercial e turística. “[Em relação à rede área comercial e turística], tanto os indivíduos infectados quanto os insetos que pegam avião podem transmitir arboviroses. Engana–se quem pensa que os mosquitos vivem de três a quatro dias. Há mosquitos que vivem de vinte a trinta dias, que podem viajar de avião também”, pontuou Romano. “[Em relação à pobreza e urbanização], quanto mais pessoas aglomeradas melhor para os insetos e os patógenos transmitidos por eles. [Em relação ao desmatamento florestal], animais vertebrados e invertebrados acabam tendo maior contato com os seres humanos por perda de habitat. [Em relação ao aquecimento global], mosquitos gostam de calor e umidade. A maioria dos patógenos transmitidos pelo Aedes [agente vetor tanto da dengue e também da Chikungunya, febre amarela e zika], Anopheles [agente vetor da malária] e Culex [agente vetor da filariose, conhecida como elefantíase] estão em áreas tropicais e subtropicais.”

O estudo Impact of Daily Temperature Fluctuations on Dengue Virus Transmission by Aedes aegypti  apontou que uma elevada flutuação de temperatura ajuda a transmissão da dengue em regiões mais frias, mas atrapalha a transmissão da dengue em regiões mais quentes. “Estamos em uma área tropical, com clima ameno. Por mais que tenhamos inverno, não costumamos usar casacos imensos como em áreas de clima temperado. Temos surtos de dengue no verão. Quando chega o inverno não ouvimos mais falar da doença. O que acontece nesse período intersazonal? Na verdade, descobriu–se há pouco tempo que as flutuações de temperatura impactam tanto a sobrevida do inseto quanto a transmissão do arbovírus. Isso contribui para a manutenção do arbovírus quando não se tem calor e chuva em abundância para a rápida reprodução do mosquito”, sinalou Romano.

Outras Arboviroses

Entre outras arboviroses emergentes no Brasil estão Chikungunya, febre amarela e zika. Uma das características comuns a dengue, Chikungunya, febre amarela e zika é que as todas as doenças são causadas por microrganismo com RNA como material genético, o que contribui para que os vírus se proliferem rapidamente pelo país. O RNA é composto por uma fita simples enquanto que o DNA é composto por duas fitas de bases nitrogenadas, o que significa que a síntese de RNA é mais rápida que a síntese de DNA. “Há vírus de genoma de DNA e vírus de genoma de RNA. Os vírus de DNA que incluem o herpesvírus, o papilomavírus e o poliomavírus evoluem lentamente, tanto que alguns deles são utilizados para marcação de migração humana porque eles coevoluem com o hospedeiro. Os vírus de DNA se adaptam muito bem a um determinado hospedeiro e não saltam entre outros animais, o que não acontece com os vírus de RNA porque a princípio as taxas de substituição do material genético dos vírus de RNA são muito mais rápidas que as taxas de substituição do material genético dos vírus de DNA”, afirmou Romano.

O número de casos de Chikungunya aumentou cerca de 44% (de 76.742 para 110.627) no Brasil entre janeiro e setembro 2019 ante o mesmo período do ano anterior. O número de mortes foi 57 (47 no Rio de Janeiro, cinco na Bahia, um no Distrito Federal, um no Espírito Santo, um no Maranhão, um em Minas Gerais e um na Paraíba. O número de casos de zika subiu em torno de 47% (de 6.669 para 9.813) na mesma base de comparação. O número de mortes foi 2 (dois na Paraíba).  Os dados são do Boletim Epidemiológico, da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. O monitoramento da febre amarela da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde apontou também que o Brasil registrou 1.281 casos notificados da doença em seres humanos entre janeiro e junho de 2019, sendo 82 casos confirmados (14 óbitos), 286 casos em investigação e casos 913 descartados. Das 21 áreas afetadas com casos notificados da doença em seres humanos, uma está em Santa Catarina, seis estão no Paraná e quatorze estão em São Paulo.

Marília Carrera| Comunicação LIMs

 


Desenvolvido e mantido pela Disciplina de Telemedicina do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP