Plataforma de Triagem de Compostos Neuroativos GlialTrix é constituída de estruturas tridimensionais formadas por células cerebrais extraídas de seres humanos, seguindo o modelo organ on a chip em referência aos organóides dispostos em microchips. Destaque na área de neurociência pela similaridade com o cérebro humano, o projeto foi selecionado para participar do Programa de Aceleração de Tecnologias do Grupo Roche
No início de 2018, a Universidade de São Paulo (USP) foi selecionada para participar do Programa de Aceleração de Tecnologias Applied Science Trail Roche (ASTRo) . De acordo com o Grupo Roche, o objetivo do ASTRo é apoiar projetos de pesquisa promissores na área da saúde oferecendo sessões de coaching online e workshops presenciais ao longo de 10 semanas. O modelo do Programa de Aceleração de Tecnologias é aprendizagem baseada em projetos e aula invertida permitindo que os pesquisadores desenvolvam um mindset voltado para a inovação para que eles próprios acelerem a entradas das suas tecnologias no mercado.
“De todos os projetos da USP, apenas seis foram elencados para receber o treinamento . Foram três do Instituto de Ciências Biomédicas, um sobre candidiase, um sobre carcinoma no colo uterino por HPV e outro sobre dengue; um da Faculdade de Ciências Farmacêuticas sobre doença de Chagas; um do Hemocentro de Ribeirão Preto sobre células imunes; e o nosso projeto para o desenvolvimento de um cérebro em miniatura para entendermos melhor o mecanismo das células cerebrais”, afirmou a coordenadora do Laboratório de Biologia Molecular e Celular (LIM 15), Suely Kazue Nagahashi Marie, durante o seminário científico ASTRo: Programa de Aceleração de Tecnologias da Roche — GlialTRIX: Plataforma de Triagem de Compostos Neuroativos, que aconteceu em 11 de setembro, na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
“O mundo está em uma crise financeira. Em particular, o nosso país. Muitas bolsas de pesquisas foram cortadas. Não é possível encontrar novas soluções sem pesquisa. Então tornar uma pesquisa sustentável é importante”, ressaltou Marie, em conversa exclusiva com a Equipe de Jornalismo dos LIMs ao final de sua apresentação. “Este Programa de Aceleração de Tecnologias nos dá uma noção de quais etapas são necessárias para se ter um produto que seja comercializável e que possa viabilizar a nossa pesquisa. Os melhores exemplos são os países desenvolvidos, em que as empresas são incentivadas a investir parte do seu lucro em pesquisa por meio de parcerias academia—empresa extremamente fortes e produtivas.”
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 17% dos tumores cerebrais tem sobrevida de aproximadamente 15 meses mesmo com tratamento, as doenças neurodegenerativas levam mais 6 milhões de pessoas ao óbito por ano e as doenças psiquiatras são a terceira condição mais incapacitante do mundo.
“Onde está a nossa dificuldade para progredir na área de neurociências? Nós não temos um modelo fidedigno que mimetize o Sistema Nervoso Central dos seres humanos. Nós reconhecemos, cada vez mais, por mecanismos de alta performance, que o que se observa no animal é muito diferente do que o que se observa no homem”, considerou Marie.
“Uma das nossas tarefas no ASTRo era ver o que tinha no mercado. Nós encontramos organóides produzidos por cinco grandes empresas, mas todos eles careciam de especificidade porque não tinham compostos humanos. A maioria dos organóides era derivado de células murinas [relativas a Murinae, uma subfamília de roedores]. A nossa missão era criar um organóide derivado de células humanas.”
O nome GlialTrix é a combinação das expressões microglial e matrix porque a Plataforma de Triagem de Compostos Neuroativos consiste em organóides [estruturas tridimensionais produzidas in vitro] dispostos em chips, simulando o órgão do corpo humano. Os chips possuem canais, que propiciam a interação das células cerebrais com diferentes compostos neuroativos [modelo organ on chip].
As microglias são células da glia [células não neuronais, também denominadas neuroglias], com função de limpeza do Sistema Nervoso Central. Do mesmo modo que os macrófagos no Sistema Imunológico, as microglias contribuem para o funcionamento dos neurônios destruindo elementos estranhos [detritos celulares ou patógenos, por exemplo] no Sistema Nervoso Central. Enquanto as microglias são obtidas por meio da autopsia de indivíduos que faleceram há mais de 24 horas, a matriz acelular é obtida por meio da descelularização (processo de remoção de materiais biológicos de órgãos) de mais de 20 áreas distintas do cérebro humano que desempenham um papel significativo no desenvolvimento de doenças neurodegenerativas e de tumores.
“A microglia e a matriz acelular são a cereja do bolo porque é algo que ninguém está fazendo e que nós estamos propondo. A microglia é responsável pela homeostase e pela limpeza do microambiente do cérebro. A microglia é uma célula mitótica que se divide a vida inteira porque ela precisa estar funcionando para manter o cérebro homeostático, limpo e operacional”, explicou Marie.
“Então o diferencial da Plataforma é a Triagem in vitro de Compostos Neuroativos em uma cultura de microglias, algo nunca explorado antes. Nós podemos fazer a triagem de compostos neuroativos com potencial terapêutico em um organóide que mimetiza mais aproximadamente o que acontece no cérebro humano e também reduzir o número de animais utilizados para a identificação de substâncias de interesse.”
Próximos Passos
Enquanto nós envelhecemos, as inflamações se intensificam em nosso organismo. De acordo com pesquisas realizadas anteriormente , existe um patamar que separa processos inflamatórios considerados padrão de processos inflamatórios considerados prejudiciais para a saúde. Se os processos inflamatórios se sobrelevam, aumentam as chances de nós desenvolvermos doenças relacionadas ao envelhecimento como cardiopatias, demência, diabete tipo II, hipertensão ou obesidade.
O próximo desafio do grupo de pesquisa do Laboratório de Biologia Molecular e Celular (LIM 15) será estudar o cérebro e os órgãos periféricos do corpo humano em termos de Inflamaging. Inflamaing é o processo inflamatório em função da idade. O envelhecimento faz com que as microglias se movam mais devagar pelo Sistema Nervoso Central, o que provavelmente resulta no acúmulo de proteínas no cérebro com o passar dos anos.
“O nosso objetivo é diminuir o inflamaging [derivado das expressões inflamation e aging, inflamaging é a inflamação pelo envelhecimento] e possibilitar um envelhecimento mais saudável entre idosos por meio de uma dieta menos calórica e exercícios físicos regulares”, pontuou Marie.
“Queremos correlacionar a análise de seqüenciamento single cell de microglias [a análise de seqüenciamento single cell possibilita o estudo do funcionamento de uma célula] e a imagem de cérebros de Ressonância Magnética 7 Tesla para identificar quais vias de sinalização estão alteradas [as vias de sinalização são uma espécie de canal de comunicação entre as células]. Em seguida, queremos fazer uma intervenção entre indivíduos da terceira idade para atenuar a inflamação das microglias no hipotálamo, que coordena o metabolismo no organismo.”
O estágio laboratorial envolve a autopsia de cérebros de indivíduos do sexo feminino e do sexo masculino, categorizados de acordo com a idade (abaixo de 60 anos e acima de 70 anos) e o Índice de Massa Corpórea (normal e sobrepeso). Já o estágio in loco envolve o acompanhamento de 100 idosos acima de 60 anos cadastrados em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) específica, que serão submetidos a atividade física e a dieta, com o objetivo de uma redução de 10% do seu Índice de Massa Corpórea no período do um ano.
Marília Carrera| Comunicação LIMs