Em seminário científico no Hospital das Clínicas, pesquisadora do Laboratório de Psicopatologia e Terapêutica Psiquiátrica (LIM 23) Helena Bentrani explicou que ansiedade, depressão, entre outros transtornos psiquiátricos, apresentam sintomas em comum. Entretanto, estudo das interações entre ambiente e genética também é fundamental para a pesquisa em Psiquiatria.
Uma maneira de se representar as conexões entre os mais de 300 distúrbios mentais existentes é por meio de redes complexas, um conjunto de vértices [sintomas] ligados por arestas [ocorrência simultânea de dois sintomas em um mesmo indivíduo]. De acordo com a literatura médica, um estudo com base em questionários submetidos a mais de 34 mil indivíduos sobre a presença de 120 sintomas listados no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês) apontou que os transtornos psiquiátricos apresentavam sintomas em comum entre si. “Existem vários transtornos, mas os limites entre eles não são bem definidos. Um indivíduo pode apresentar mais de um transtorno, do mesmo modo que diferentes transtornos podem compartilhar os mesmos sintomas. Por exemplo, existe alta comorbidade [manifestações de duas ou mais doenças]”, afirmou a pesquisadora do Laboratório de Psicopatologia e Terapêutica Psiquiátrica (LIM 23) Helena Bentrani.
Na quarta–feira (13/11), no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), a coordenadora do Programa do Transtorno do Espectro Autista do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas apresentou o seminário científico Redes e Psiquiatria — Exemplos do LIM 23. “O caráter multifatorial e poligênico dos transtornos psiquiátricos é expresso pelas redes complexas. Os produtos gênicos interagem entre si, originando vias que se relacionam dentro das células. Em seguida as células interagem entre si, originando circuitos cerebrais que resultam em traços de comportamento”, disse Brentani. “O que fazemos é construir e estudar as propriedades de redes complexas. O que queremos saber é quais pontos estão ligados entre si, quais os fatores fundamentais para as ligações entre os pontos e quais os caminhos mínimos entre os pontos a partir de propriedades físicas e matemáticas.”
Dentro do LIM 23, o grupo de pesquisa PsiBio (Biologia de Sistemas em Psiquiatria) estuda o componente genético dos transtornos psiquiátricos. Existe uma alta correlação genética, o que implica em uma base genética comum entre os transtornos psiquiátricos. Um estudo do LIM 23 com base na análise de sequenciamento de exoma [parte do genoma que codifica os genes] identificou que dois irmãos com manifestações diferentes de Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam redes complexas distintas para o transtorno psiquiátrico. “No caso menina, observamos vários genes descritos no Transtorno Bipolar. Ela apresentava uma euforia, mostrando que precisamos pensar nas variantes raras para tentar refinar o fenótipo”, explicou Brentani. “Se entendermos a estrutura de rede, entendemos a variabilidade fenotípica. Diferentes indivíduos carregam diferentes variantes, que definirão os subtipos dos transtornos psiquiátricos”. Já um outro estudo do LIM 23 com base na análise de sangue de cordão umbilical mostrou que os efeitos do estresse no interior do útero variam dependendo do sexo biológico. Segundo a literatura médica, meninas têm mais ansiedade e depressão e meninos têm mais TEA e TDAH. “Buscando entender o viés do sexo biológico, o trabalho mostrou que um possível mecanismo seria a ação conjunta de fatores de transcrição dos cromossomos sexuais controlando a expressão de genes nos autossomos [genes que não estão relacionados ao sexo biológico]”, pontuou Bentrani.
Durante o seminário científico no Hospital das Clínicas, Bentrani destacou que os transtornos psiquiátricos não podem ser vistos como “caixas separadas” ao mesmo tempo que “não estão todos no mesmo pacote”. Embora transtornos psiquiátricos compartilhem dos mesmos genes, circuitos neurais e sintomas, o estudo das interações entre ambiente e genética por meio das redes complexas e da vulnerabilidade dos sexos biológicos é fundamental atualmente em Psiquiatria. “Os transtornos psiquiátricos possuem uma alta herdabilidade, mas a herdabilidade não é cem por cento. O que quer dizer que não são 100% dos gêmeos monozigóticos que apresentarão transtornos psiquiátricos. O estresse emocional e o estresse prenatal associam–se também podem provocar alterações genéticas que aumentam o risco de transtornos psiquiátricos. O estresse emocional pode ser desencadeado por falta de dinheiro ou perda de emprego. Enquanto o estresse prenatal pode ser ocasionado por diabetes, hipertensão, infecções ou sangramentos”, ressaltou Brentani. “Entender os genes e os circuitos neurais relacionados aos traços do comportamento é certamente fundamental. Estes são os novos rumos do nosso trabalho, estudos de coorte, integrações ômicas [processos como genômica, proteômica e trascriptômica], além de aprofundamento da descrição de traços comportamentais.”
Por Marília Carrera / Comunicação LIMs