Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – As desigualdades socioeconômicas e as vulnerabilidades existentes no país vieram à tona com a pandemia de COVID-19. A ponto de, na região amazônica, idade e outros fatores de risco conhecidos para a doença impactarem menos a mortalidade do que a falta de atendimento médico e de acesso a leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Além disso, faltou um planejamento específico para atender a populações historicamente marginalizadas e distantes dos sistemas de saúde das capitais, como é o caso dos indígenas e das comunidades ribeirinhas.
Essa é a conclusão de especialistas que participaram dos dois primeiros eventos da série “Saúde e Ambiente na Amazônia no contexto da COVID-19”, organizados pela FAPESP nos dias 5 e 12 de agosto.
A proposta de debate partiu de pesquisadores que integram o projeto “Depois das Hidrelétricas: Processos sociais e ambientais que ocorrem depois da construção de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio na Amazônia Brasileira“, apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa São Paulo Excellence Chair (SPEC).
Segundo os pesquisadores, o exemplo mais marcante de como a COVID-19 atingiu de forma desproporcional a região Norte do país foi a crise humanitária ocorrida em janeiro deste ano na cidade de Manaus, quando o sistema de saúde da capital do Amazonas entrou em colapso e pacientes – não necessariamente infectados pelo novo coronavírus – morreram por falta de oxigênio.
Mas a tragédia não se limitou à capital amazonense. Estudos mostram que a taxa de mortalidade por 100 mil habitantes foi muito mais alta em toda a região Norte do que nos demais Estados brasileiros. Também lá foi registrado o maior percentual de mortes evitáveis por COVID-19, não só na faixa etária acima dos 60 anos, mas em todas as idades.
“Isso tudo se traduz em uma perda nunca observada no que se refere à expectativa de vida. Alguns Estados, como o Amazonas, voltaram a níveis de mortalidade que não existiam desde 2004, tamanho foi o retrocesso. Nossos estudos mostram que a região Norte foi desproporcionalmente muito mais afetada do que as outras”, afirmou Márcia Castro, epidemiologista e professora da Harvard University.
Castro coordenou um estudo, publicado na Nature Medicine, sobre a queda na expectativa de vida em virtude das mortes em excesso por COVID-19. No Amazonas, foram 4,42 anos a menos na expectativa de vida, que passou de 75,41 anos para 70,99. A segunda maior queda ocorreu em Rondônia: de 76,41 para 72,49 anos, ou seja, 3,92 a menos.
“Continuamos esquecendo o básico. Associa-se desenvolvimento econômico com infraestrutura, ou seja, com a construção de estradas e barragens. Isso é um erro que nunca foi questionado. Se perguntarmos para qualquer pessoa da região Norte – que mora perto dessas obras grandiosas – do que ela precisa, a resposta será: saúde e educação. Podem construir a infraestrutura que quiserem, fazer mil promessas de compensação, que nada desses itens avança”, disse Emilio Moran, coordenador do projeto SPEC-FAPESP.
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